Mafalda e a Luta contra a Injustiça

Autor

Nova Acrópole

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Parte II

 

Esta segunda parte, consiste numa breve reflexão filosófica da questão da injustiça em Mafalda. É breve, muito mais haveria a dizer.

Mafalda recusa o mundo, tal como ele é, e diz-nos que se os homens, ou os adultos, quisessem, a vida na Terra poderia ser feliz e fraterna, em toda a parte. Apela-nos à reflexão e ao despertar da consciência. Astuta, impertinente, contestatária, defensora do planeta, rebelde, perspicaz e corajosa, representa todo o ser humano, com as suas virtudes e defeitos, mas que busca ser melhor.

E como testemunho da sua coragem convida-nos a não ignorar a miséria e a injustiça que nos rodeia. Realmente, não podemos ignorar tudo o que se passa na Terra, deve-nos interessar. Somos responsáveis, nós adultos, em deixar um mundo melhor do que encontrámos. E não se consegue isso através da evolução tecnológica, mas através do desenvolvimento das virtudes e dos valores, que é o que nos faz humanos. Por isso Mafalda fala tanto de humanidade, alerta-nos que fazemos parte da mesma Família. E temos de ser responsáveis.

Mafalda protesta, sempre. Porque quem nada faz perante uma injustiça é cúmplice da injustiça.

A obra de Quino pode ser vista como um verdadeiro tratado de apelo à justiça. Ela vai chamar-nos a atenção para a ausência de justiça, para que vejamos que é possível realizar o oposto, a justiça. Isto é, a injustiça revela a necessidade de justiça. Se a injustiça desaparecesse deixávamos de sentir a necessidade de justiça, porque estaria sempre presente. Só a buscamos porque não existe. Num tempo de trevas, é preciso alguém para acender a luz.

 

– A Justiça

O objectivo deste trabalho não é refletir sobre o conceito de justiça, por certo estas breves páginas não bastavam, mas é essencial fazer uma breve abordagem à Justiça.

O que é a Justiça? É uma pergunta muito difícil de responder, e que confesso que não sei responder. Mas, reflitamos, nada melhor que recorrer aos Clássicos, e entre eles a Platão. Platão diz-nos na República que Justiça é “dar a cada um o que lhe corresponde em conformidade com a sua natu­reza e os seus actos.”

Observemos o gráfico seguinte:

 

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Justiça Arquétipo                                                         Nous             Espírito
Virtude Justiça                                                                Psiché           Alma
Justiça Material                                                          Soma             Corpo

 

Fig. 1                                                            Fig. 2

 

Há três dimensões de Justiça, uma enquanto arquétipo, outra enquanto virtude e a justiça material, que é o nosso direito positivo. Vemos pelo esquema, que o nosso direito actual tem, ou deveria ter, uma raiz espiritual. As leis da Natureza são a raiz do nosso direito, são o seu espírito.

Vejamos então que se a Justiça é uma virtude da alma, pelo contrário a injustiça será um vício. Aplicando a ideia da figura 1 à figura 2, podemos concluir que, temos de despertar as virtudes da alma para podermos ser justos.

“se não mudarmos o mundo … ele pode mudar-nos a nós”

 

Não é o que acontece, na maioria dos casos, na nossa sociedade em que a lei praticada é a lei do mais forte. Por isso Mafalda alerta tanto para a questão dos mais desfavorecidos. Para sermos verdadeiramente justos temos de proteger os mais fracos.

E não é assim tão necessário basear-se nas leis para ser justo. Como vimos supra, a Justiça é uma qualidade da Alma, está em todos nós. Todos temos uma “bússola” interna que nos diz o que está certo, e o que não está. Temos de aprender a escutá-la. Mafalda chama a esta “bússola”, inquilino.

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– A Desigualdade

Um dos temas que é abordado constantemente por Mafalda e os amigos é a questão da desigualdade. Ora, diz o artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais nos seus direitos.” É um bom Princípio Universal, mas que na prática não é praticado.

Somos, enquanto sociedade, milenarmente, desiguais. A nossa sociedade, actual e evoluída, diz-nos que somos todos iguais, quando não é verdade. Não é verdade, nem do ponto de vista jurídico, o que diz o Princípio da Igualdade, é que deve-se tratar como igual o que é igual e desigual o que é desigual. Mais que igualdade, falamos de equidade. Como ensina Aristóteles: “A Justiça não pode ser igual senão entre iguais”.

A desigualdade de que fala Mafalda é a desigualdade social é uma questão diferente. Mafalda ilumina muito a questão dos pobres e dos ricos. Ninguém deve ser prejudicado ou beneficiado por ser pobre, ou por ser rico, senão existirão dois mundos.

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O mesmo raciocínio se aplica aos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Mafalda nasce num país em vias de desenvolvimento e por isso foca muito essa questão, com o uso da ironia. Continua a ser um tema actual, em que os estados cada vez mais estão a perder a sua soberania, em que os ricos dominam os pobres, procurando justificar-se através do liberalismo económico.

O grande problema é que estamos numa sociedade desumanizada, já não nos choca ver pobres, nem pessoas em sofrimento. Mafalda não perde essa sensibilidade. Ela diz-nos: mesmo que não possamos fazer muito, podemos não perder a sensibilidade, que é o primeiro passo para começar a mudar.

 

– A questão feminina

Nos anos sessenta as mulheres procuravam a igualdade. E foi um período de transição em que as mulheres começaram a trabalhar fora de casa e a ter profissões. Não era uma questão pacífica, e Quino aproveitou para questionar através das suas personagens femininas, Susaninha, Mafalda e mãe Raquel.

Mafalda representa a mulher que luta pela igualdade, é livre e independente. Que ama a cultura e a educação. Critica e questiona o papel da mãe, que considera rotineiro e sem importância. Por oposição, Susaninha personifica os velhos padrões, tem como objectivo casar, ter filhos e ser uma senhora. E é fútil, prefere um vestido à cultura.

O que diria Mafalda hoje, em que a mulher conquistou o direito de trabalhar fora de casa, em igualdade com o homem, mas que muitas vezes ainda acumula o trabalho doméstico? Mas, apesar de tudo, em cinquenta anos foi uma conquista importante.

 

– Direito das Crianças

Depois de Mafalda se ter retirado da “vida pública” Quino poucas vezes a fez reaparecer. Uma das poucas vezes foi em 1976, para promover a Declaração Universal dos Direitos da Criança, para a UNICEF. Mais uma vez assume o seu papel de lutadora contra a injustiça e de protectora das crianças.

 

– Como lutar contra a injustiça

A luta contra a injustiça é uma missão constante, mas é ganha trabalhando-a interna e externamente. Internamente trabalhando a justiça em nós, de forma a vivê-la. Desenvolvendo as virtudes da alma. Procurando ser “melhor” cada dia que passa. Se imaginarmos a Justiça como uma escada, deveremos pouco a pouco, subir os seus degraus.

Esta busca pela justiça, combatendo a injustiça, é um Caminho.

Mafalda não é perfeita, tem as suas tentações e muitas vezes vai contra os seus princípios, tal como nós, está no Caminho da Evolução. Mas tem consciência das suas falhas, mesmo de apesar de não as querer admitir.

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Um aspecto muito importante para lutar contra a injustiça é a educação das crianças, que serão a geração futura, para a Justiça. Em termos jurídicos falamos em educação para o direito, um dos princípios basilares do Direito da Criança e do Jovem. Para educar precisamos de ser.

 

– Busca da felicidade

Uma das missões que temos enquanto Seres Humanos, no meu entender é a busca da felicidade, que não pode ser separada da Justiça. O que é felicidade? Uma pergunta tão difícil como definir o que é justiça. Para “sabermos” o que é felicidade para cada um de nós, temos de nos conhecer, é a chave.

É essencial sermos nós próprios, o que implica uma autodescoberta. Para sermos nós próprios temos de ter um eixo, que pode ser a Filosofia, a Arte, algo que esteja de acordo com a nossa natureza. Esse eixo vai-nos ajudar a manter o foco e elevar a consciência. Parece-nos que Mafalda tem esse eixo, por isso não se deixa convencer pela Televisão, pela rádio, pela mamã ou pelo papá. Ela sabe quem é. Tem as suas opiniões, não se deixa levar pela corrente. Mesmo não sendo ouvida não deixa de dizer o que pensa.

Nas palavras da filósofa Délia Steinberg Guzmán “saberemos que somos felizes quando começarmos a disfrutar das coisas simples, quando o sorriso surgir facilmente dos nossos lábios, quando estivermos atentos para aprender algo de novo todo os dias e avançarmos sem pressa nem pausa para as metas por nós traçadas. Imaginar sem fantasia, sonhar com sentido prático, lançar-se à aventura com riscos calculados, amar sem restrições, são os expoentes de uma felicidade bem assente.”. Acredito que quando alcançarmos esta felicidade, vamos encontrar também a justiça. Acredito que é possível, não é uma utopia.

Cada um tem a sua chave ….

 

– Conclusão

Mafalda, de Quino, continua a ter uma assombrosa actualidade, porque muitos problemas da humanidade ainda não foram resolvidos passados cinquenta anos. Podemos ter evoluído muito tecnicamente, mas a nível de valores humanos, que é o que faz o mundo andar para a frente, não. Para alcançar a Justiça temos ainda um longo caminho a percorrer. Temos de lutar contra a injustiça. Podemos neste caminho ouvir os alertas de Mafalda quanto à injustiça, para um dia a Justiça ser soberana. Não devemos esquecer que as grandes verdades são simples, manter a nossa criança interior viva, buscar a fraternidade para juntos fazer um mundo mais justo e feliz para todos.

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Um grande risco, se não mudarmos o mundo … ele pode mudar-nos a nós, como alerta Mafalda.

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Nas palavras do Filósofo Jorge Ângel Livraga «A alma é como uma águia presa numa gaiola, observando o mundo distorcido e fragmentado. Mas em sonhos concebe “as alturas”, que são os ideais da alma e o seu potencial ascendente.». Voemos até Eles …

 

Margarida Mourão

Setembro de 2014

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