Autor
Nova Acrópole
Partilhar
Autor
Nova Acrópole
Partilhar
“As palavras tornam finito o infinito; os símbolos conduzem o espírito do mundo finito do devir até ao âmbito do ser infinito.”
Bachofen
Etimologicamente, a palavra “símbolo” exprime o acto de levar, guardar, conter. No antigo Egipto representava-se o símbolo com duas mãos unidas, formando uma concavidade, num gesto de oferenda. Isto dá-nos uma ideia de transferência, de oferenda aos Deuses, de dação sem contrapartidas.
A história da humanidade está cheia de símbolos, desde os tempos mais primitivos até aos nossos dias. Símbolos que nasceram num determinado tempo e cultura, que tiveram a sua força e que, pouco a pouco, envelheceram e morreram.
Símbolos são a Arca de Noé, a Pomba, um anel, um véu, a assinatura, o dinheiro, etc. A mão, simbolicamente falando, surge nos primeiros tempos da história da humanidade e ainda hoje nos identifica como tal, pois foi escolhida por um conjunto de cientistas quando procuraram uma imagem suficientemente representativa da humanidade para enviá-la através do espaço, gravada numa placa de identificação idealizada pelo astrónomo Carl Sagan, no Pioneer X, cuja missão era viajar até longínquas estrelas em busca de eventuais seres inteligentes de outros planetas e transmitir-lhes uma mensagem de paz.
As mãos como símbolo
Nas culturas mais díspares do mundo aparecem mãos revestidas de significado simbólico.
A mão dá forma a essas coisas que conferem ao homem um poder muito superior à sua força inata; ferramentas, armas, artefactos, que distinguem a vida do ser humanos da mera existência animal. A mão exprime a ideia de actividade, potencia e domínio.
Henri Focillon recorda-nos no Éloge de la main: “As mãos são quase seres vivos… dotados de um espírito livre e vigoroso, de uma fisionomia. Rosto sem olhos e sem voz que, no entanto, vêem e falam… A mão significa acção: limpa, cria, por vezes até parece pensar”.
Schneider diz: “A mão é a manifestação corporal do estado interior do ser humano; ela indica a atitude do espírito quando este não se manifesta pela via acústica”. A mão levantada é o símbolo da voz e do canto. Tal como na China, no Egipto o símbolo gráfico de cantar é um braço.
Em algumas civilizações a mão é dadora de vida e de força. Orians diz-nos que a mão representava “o espírito vital procriador. Para os hebreus a mão era, juntamente com os joelhos, o assento da força ou vida, e ambas eram associadas logicamente ao sémen… Quando a mulher de Putifar convidou José e deitar-se com ela e ele suprimiu o desejo, saiu-lhe a semente das unhas.”
Um signo com carácter mágico religioso associado ao culto de Tanit chama-se “a mão de Fátima”. É sabido que em todos os países árabes o signo da mão de Fátima, com a palma aberta, os dedos estendidos, o polegar ligeiramente recolhido, é símbolo de protecção contra as más influências exteriores. Por isso, do extremo da península arábica até Dakar, este signo é usado como modelo de jóias, pendentes, diademas, broches e adornos. Também se encontra pintado nas portas das casas para preservá-las do mau-olhado.
A linguagem das mãos: a magia do gesto
O costume de gesticular com as mãos é muito corrente. Com efeito, existe uma linguagem das mãos que fala por si. Por exemplo, em África, pôr a mão esquerda com os dedos dobrados na mão direita é um signo de submissão e humildade. Em Roma, meter a mão dentro da manga era sinal de respeito e de aceitação da servidão.
Segundo o cânone budista, a mão fechada é símbolo de segredo. Mas tanto no Budismo como no Hinduísmo, o simbolismo essencial é o dos Mudras, gestos da mão, alguns dos quais são: abhayamudra, que denota ausência de temores, com a mão levantada, dedos esticados e palma para a frente. O varada-mudra, com a mão para baixo, dedos esticados e palma para a frente (destruição dos elementos impermanentes do Universo). O tarjani-mudra, da ameaça, com o punho fechado e o dedo indicador apontando o ar.
Além disso existem Mudras esotéricos, assim como um grande número de Mudras rituais, alguns deles empregues da Dança e no Teatro clássico. Os Mudras também são utilizados na iconografia budista.
As danças rituais do sul da Ásia são conhecidas como danças das mãos. Não só os movimentos que inscrevem no espaço, mas também a posição das mãos em relação ao resto do corpo e os dedos relacionados uns com os outros, são altamente significativos. Por exemplo: a palma das mãos sobre os joelhos exprime a concentração meditativa; a mão direita levantada com o dedo indicador e o médio esticados e juntos e os outros dedos dobrados, exprimem a argumentação, a dialéctica; a mão pendente, com a palma virada para o exterior, exprime o dom.
No Japão também vemos diferentes posições das mãos e dos dedos. Por exemplo: o indicador da mão esquerda apontando para o céu e enfiado na mão direita fechada simboliza a penetração do conhecimento.
Pôr as nossas mãos nas de outra pessoa significa remeter a nossa liberdade, ou desistir dela confiando-a a outrem; é abandonar ou delegar o nosso poder. Na homenagem feudal, o vassalo, normalmente ajoelhado, com a cabeça descoberta e desprovido de armas, coloca as mãos nas do seu soberano, que fecha as suas sobre as daquele. Neste rito de vassalagem há uma entrega de si próprio por parte do vassalo e uma aceitação por parte do senhor. As obrigações daí resultantes são recíprocas.
A chamada imposição de mãos teve uma grande importância, como gesto ritual, na comunidade cristã de Roma do séc. III. Isto significava uma transferência, por parte de um bispo, de energia ou potência.
A Magia é a ciência dos gestos. Uma pessoa com alto nível espiritual saberá captar e expressar o mundo divino através dos seus gestos.
As mãos representam a vontade. Cada dedo capta e transmite correntes e ondas de natureza diferente. São antenas e para que funcionem como tais devemos evitar que acumulem demasiadas impurezas. Por isso mesmo, é conveniente lavá-las amiúde.
Várias vezes por dia cumprimentamos com um gesto realizado com a mão. A mão transmite o nosso estado de Ânimo e energia; se estivermos cansados e desanimados transmitiremos a nossa inércia aos outros. Mas se nos sentirmos com energia para ajudar os outros, comunicar-lhes-emos essa energia.
” A mão revela um quadro completo da figura moral de um indivíduo, das suas tendências, dos seus defeitos, dos seus meios de lutar na vida e do seu futuro imediato, ou seja, de tudo aquilo que a vida lhe depara no momento presente, mas o porvir depende exclusivamente dele.”
A Inteligência Cósmica colocou na mão o futuro do homem. Por meio da mão o homem adquiriu tudo o que possui. A mão é um ser vivo: assim como o Universo se vê reflectido nos diferentes órgãos do nosso corpo, também os diferentes órgãos do nosso corpo estão reflectidos na nossa mão.
O conceito de mão através das diferentes culturas
Devemos recuar aos tempos pré-históricos para começar a observar as primeiras manifestações da mão nas tão conhecidas pinturas rupestres.
Há uns vinte mil anos atrás, simultaneamente com a expressão artística, apareceram mãos simbólicas nas paredes das cavernas. Tratam-se de imagens directas de mãos pintadas na superfície parietal com a ajuda de cores (vermelho ou preto) em positivo ou negativo, ou seja, estampadas na parede, ou com cor à volta da mão.
Umas vezes aparecem isoladas, outras em conjunto com símbolos indecifráveis ou animais. Nos casos em que as mãos são de um período anterior, um respeito reverencial parece ter impedido que as pinturas mais recentes as tapassem.
Em nenhum outro lugar se encontrou um número tão grande de mãos como em Gargas (Pirinéus franceses). Junto à entrada desta gruta as mãos sobrepõem-se formando uma nuvem que se eleva do solo e se estende pela parede. São impressões separadas, quase todas da mão esquerda e, na sua maior parte, mutiladas. Fazem-nos recordar as cerimónias de auto-mutilação ritual de certos povos primitivos actuais, em que se mutilam um ou mais dedos. Esta auto-mutilação tem sempre o carácter de um sacrifício para afugentar um mal.
As características confirmam o predomínio da mão esquerda sobre a direita nas pinturas rupestres. Bachofen via na mão esquerda “o símbolo do aspecto materno da matéria”. Apoiava-se em Plínio, que vinculou o lado esquerdo do corpo humano ao princípio feminino. Sugerindo uma relação com a Deusa Mãe, o autor aludia a uma passagem de Apuleio onde se narra que numa procissão egípcia de Ísis, os sacerdotes levavam uma representação de uma mão esquerda de grande tamanho. Baumann também confirma a tese de Bachofen quando escreve: “A consideração do lado direito como masculino e do lado esquerdo como feminino é quase uma concepção universal da humanidade”.
Fazer impressões directas da mão é um costume difundido em todo o mundo, que ainda hoje sobrevive em zonas tão afastadas entre si como a Austrália e a América. Descobriram-se grutas cobertas de impressões negativas em Darembang (Nova Guiné) que apresentam um fenómeno similar ao das grutas de Gargas. O caso dos índios do sudoeste americano não é muito diferente. Numa gruta do Arizona há inúmeras impressões de mãos. É impossível datar estas impressões; no entanto, coincide mais ou menos com a etapa da era pré-colombiana.
No Egipto, o termo que designava a mão estava relacionado com o pilar (suporte, força) e com a palma. No sistema hieroglífico egípcio a mão significa o princípio manifestado, a acção, a entrega, o labor. A mão aberta significa qualquer tarefa especificamente humana e também força magnética. Esta crença encontra-se igualmente na América pré-colombiana.
Entre os Romanos, a manus simbolizava a autoridade do pater familia e a do Imperador. Por esse facto aparece a rematar alguns signun das legiões em vez da Águia.
Entre os celtas, o simbolismo da mão está associado ao do braço. A palavra irlandesa Lam (mão) serve amiúde para designar o braço completo. As duas mãos levantadas com as palmas para a frente são um gesto de súplica; os gauleses usavam-no repetidamente durante a guerra das Gálias, por vezes com o peito descoberto.
Na tradição bíblica e cristã, a mão é símbolo de poder e supremacia. Ser acolhido pela mão de Deus significa receber a manifestação do Seu espírito. Quando a mão de Deus toca o homem, este recebe a Força divina. Representava-se a divindade sob a forma de uma mão saindo de uma nuvem.
Em Ross Country, Ohio, EUA, encontrou-se uma mão direita talhada numa placa de mica com uns 29 centímetros de comprimento. Também se encontrou uma paleta de pedra em Moundville na qual havia uma mão esquerda com um olho na palma. Este é um dos múltiplos símbolos do culto meridional, cujo significado ainda não está devidamente esclarecido.
Tanto nos baixos-relevos como na glíptica da arte pré-colombiana aparece uma mão aberta com os dedos esticados e o polegar levantado. A sua primeira acepção é numérica e representa o cinco. É o símbolo do Deus do quinto dia. No entanto, trata-se de um deus ctónico; por isso, a mão converte-se num símbolo de morte na arte mexicana.
Na língua yucateca, o cutelo sacrificial chama-se “o mão de Deus”. O jade, símbolo yang, está representado por uma mão na glíptica maya.
“Nas Culturas mais díspares do mundo aparecem mãos revestidas de significado simbólico. A mão dá forma a essas coisas que conferem ao homem um poder muito superior à sua força inata; ferramentas, armas, artefactos, que distinguem a vida do ser humanos da mera existência animal. A mão exprime a ideia de actividade, potencia e domínio.”
O destino na palma da mão
Há milhares de anos que se crê que o destino de uma pessoa está traçado nas suas mãos. Os seus “vales”, “montanhas”, linhas e marcas são únicos. Também se diz que à medida que a pessoa amadurece, os acontecimentos importantes da sua vida ficam gravados na mão.
Plínio afirma que os sinais da mão são verazes. Sublinha que algumas linhas mal traçadas indicam uma saúde débil e uma má disposição interior, ao passo que se aparecem no centro da mão denotam uma vida breve.
A Quirognomia é o acto de conhecer o carácter ou as qualidades de uma pessoa pela configuração da mão. Na esquerda estão “escritas” as faculdades inatas do indivíduo; na direita, as que foi adquirido durante a sua vida.
A Quiromancia pode ser considerada uma ciência. Os filósofos gregos receberam tais crenças da Índia, berço dos grandes movimentos filosóficos da antiguidade. Queiro, numa das suas viagens à Índia, descobriu um tratado encadernado em pele humana e zelosamente guardado pelos brahmanes onde se falava do estudo das mãos.
Do grego Cheir (mão) e Manteia (adivinhação) surgiu o termo quiromancia. É a adivinhação do futuro de uma pessoa pela inspecção das linhas naturais da palma da mão. Há uma quiromancia física que se dedica a descobrir as relações entre as linhas da mão e o temperamento. A quiromancia astrológica examina as influências dos planetas sobre as linhas da mão, para determinar o carácter de uma pessoa e predizer o que irá acontecer calculando os efeitos dessas influências.
É bom recordar que o significado de uma linha pode variar segundo a sua relação com as outras linhas.
A mão do homem é considerada como um símbolo total que a Natureza nos oferece.
A mão revela um quadro completo da figura moral de um indivíduo, das suas tendências, dos seus defeitos, dos seus meios de lutar na vida e do seu futuro imediato, ou seja, de tudo aquilo que a vida lhe depara no momento presente, mas o porvir depende exclusivamente dele.
A cura pelas mãos
A simples imposição das mãos tem conotações de interesse, amor, compaixão, consolação. Se o fizermos sobre a parte dorida de um semelhante ou, inclusive, de um animal, o seu tormento será, sem dúvida, aliviado. Quantas vezes já pusemos as nossas mãos no nosso próprio corpo, no local onde sentíamos dor? É um gesto instintivo que procura levar a energia do corpo a um ponto do mesmo que baixou de nível.
Segundo lemos no Novo Testamento, Jesus realizou a maioria dos seus “milagres” de cura valendo-se da imposição das mãos: “ao pôr-do-sol, todos os que tinham doentes padecendo de diversos males, levavam-nos a Ele que, pousando as suas mãos sobre cada um deles, os curava” (Lucas, 4, 40).
A partir do séc. XI e até ao séc. XVIII, em dias preestabelecidos, o Soberano visitava uma multidão de enfermos de escrófulas (inflamações ganglionares de origem tuberculosa). Após orar brevemente, o Rei passeava por entre os doentes e tocava com a sua mão a excrescência, localizada quase sempre no pescoço e depois fazia o sinal da cruz sobre a cabeça do paciente. Era crença geral que o mal se curava. Isto foi muito popular durante toda a Idade Média. Não era um acto realizado ocasionalmente, mas uma prática regular, revestida de formalidades rituais muito precisas e considerada como uma faculdade própria das dinastias reinantes de várias nações.
Não esqueçamos que os nossos dedos são os dígitos de Deus e que através das nossas mãos teremos de modelar o mundo futuro, que apenas depende de nós.
Maria Eugenia Llorens