Autor
José Ramos
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Ptah teve o seu principal centro em Menfis e presente no panteão egípcio desde finais do Período Prédinástico. O seu nome parece derivar da raís pth que significa formar. Será considerado o mais antíguo dos deuses, o que unia em si mesmo Nun (o aspecto masculino) e Naunet (o aspecto feminino) chamado “Pai dos poderosos pais, pai dos princípios, o que criou o ovo do sol e o ovo da lua”, “o criador da sua própria imagem”.
Ele é o criador do ka de cada ser, na medida em que uma vez os deuses criados penetraram os seus corpos visíveis, entrando “em todas as espécies de plantas, pedras, argila, em todas as coisas que crescem na sua superfície (a Terra) e pelas quais Eles podem manifestar-se”.
Ptah conforma a tríade principal de Menfis com Sekhmet, “A Poderosa”, a Senhora do Destino, e seu filho Nefertum, “O Lótus do Sol”, o que dá a luz e o calor (o fogo) aos mortais.
Ptah tinha também um filho mortal, o grandioso e enigmático Imhotep, “aquele que vem em paz”, o grande arquitecto, engenheiro, médico e mago, atribuída a sua existência durante a III Dinastia, embora tal nome se possa referir a mais do que uma individualidade histórica.
Ptah tinha inúmeras formas locais, só em Menfis existiam sete formas de Ptah, sendo também o patrono da realeza e dirigente das forças jubilares.
Ptah era representado com o corpo mumificado, com as pernas unidas como uma só, representando aquele que está além da dualidade, com um capacete azul ajustado à cabeça e o colar Usekh, usado nas representações das divindades funerárias. Em algumas representações o seu corpo é revestido a plumas e de cor dourada.
O dourado (ou amarelo, embora este seja reflexo do ouro), como símbolo da luz que brilha na terra, possui a reunião das virtudes do branco, que são a sabedoria que resplandece da inteligência, e do vermelho, o amor que dá vida ao coração. Segundo uma tradição heráldica antiga, afirma-se precisamente que o amarelo é uma mistura do branco e do vermelho, o que nos faz recordar a correspondência destas duas cores em ralação com o alto e baixo Egipto e Ptah como “Senhor das Duas Terras”.
O azul é a cor do Fogo celeste, como por exemplo também aparece em Agni (representação no Indostão) o carneiro de cor azulada e os cornos vermelhos, sendo o azul símbolo do fogo celeste e o vermelho do fogo terrestre. Também na China o azul era símbolo das almas depois da morte e o vermelho o fogo que vivifica as almas encarnadas. Nas línguas orientais azur significa o fogo. O azul aparece sempre ligado ao deus criador, Vishnu na India, na Grécia era a cor de Júpiter, na China o Céu é o deus supremo. O azul está também relacionado com a formação espiritual do Homem. É símbolo da eternidade divina e da imortalidade humana, razão pela qual por vezes aparece como uma cor fúnebre. O sumo sacerdote do Egipto levava no peito uma safira simbolizando a verdade.
Sustenta um ceptro com os símbolos do poder (Uas), da vida (Ank) e da estabilidade (Djed).
No entanto, a sua forma mais arcaica de representação era a de um pigmeu com um grande falo, levando sobre a cabeça duas plumas e cornos horizontais ou um escaravelho.
Uma das assimilações mais antigas foi com Tatenen, em muitos textos denominado Ptah-Tatenen, de onde toma o seu carácter de demiurgo. Tatenen era representado levando sobre a sua cabeça as plumas de avestruz sobre cornos horizontais retorcidos e mais tardiamente surgindo na coroa um disco solar.
Sob o aspecto de deus da vegetação pode ser representado com a pele pintada de verde e representa a terra fértil e o renascimento, tanto na Terra como no Além. Não tem pais, assumindo assim um carácter primordial e uma relação com a vegetação.
É um deus ctoniano, hermafrodita e bastante antigo, relacionado com a colina primordial levando o título de “Pai de Todos os Deuses”. A fusão de Tatenen com Ptah é interpretada como sendo esta divindade a manifestação de Ptah no momento da criação. Outros elementos unem estas duas dividades: Tatenen é a língua de terra fértil que surge com a descida da inundação do Nilo, personificando igualmente o interior da terra, sendo dono, senhor e artífice de tudo quanto nasce e cresce debaixo dela: os minerais, as águas subterrâneas, certos animais, etc. Tatenen encontra-se representado em todos os templos e tumbas no “Santa Sanctorum” e no montículo sobre o qual é depositado o sarcófago, representando ambos os locais a terra emergida do Oceano Primordial.
Ptah foi assimilado a outros deuses, sendo a mais importante a fusão com Sokar e Osiris, denominado Ptah-Sokar-Osiris, sendo originário de Menfis, foi venerado na necrópole de Sakhara entre outras. A confluência dos três deuses tem como denominador comum a ligação ao Duat (onde vivem os mortos). Ptah personificava a cidade dos vivos e a terra fértil, ao passo que Sokar era o deus do deserto e do Além e o deus Osíris o poder regenerador do mundo inferior. A tríade simbolizava, deste modo, a fertilidade (Ptah), a eternidade (Sokar) e a ressurreição (Osíris) proporcionadas pela Duat. Assegurava desta forma que o defunto fosse regenerado e recriado através da imersão nas forças primordiais da Duat de modo a ressurgir para uma nova vida.
As suas representações eram na maioria realizadas em madeira, montadas sobre um pedestal que se projectava a alguma distância tendo à sua frente a representação de Ba (a alma do defunto) em forma de pássaro, sendo costume na base aparecer a representação de uma serpente como símbolo da metamorfose. Tanto o pedestal como a estatueta eram frequentemente ocos contendo no seu interior papiros com excertos do Livro dos Mortos. Estas estatuetas eram pintadas em policromias bastante vivas e tinham a inscrição da fórmula de oração para as oferendas sepulcrais.
O mito de Ptah como deus criador em Menfis foi recolhido da Pedra de Shabaka da XXV Dinastia, que refere ser uma cópia de um texto antíguo, aparecendo também no Papiro de Harris, entre outros. O texto original a que se refere a Pedra de Shabaka remonta à I Dinastia.
Ptah cria por meio de dois conceitos extremamente espirituais e filosóficos: o seu coração (Sia) e a sua língua (Hu) dos quais obtém Maat (ordem e Justiça), constituindo todos eles aspectos do deus demiurgo. A Ptah é atribuído o estabelecimento da justiça eterna sobre a Terra recebendo o título de “Senhor de Maat”.
Sia, que representa o coração de Ptah, é um deus-conceito que simboliza a percepção, a inteligência, o entendimento. Hu, por sua vez, representando a língua de Ptah, encarna o verbo criador, a ordem divina, o princípio da autoridade. Ambos constituem dois dos deuses associados aos 14 Kas de Ra. Também encontram-se associados a um dos cinco sentidos, Sai com o tacto e Hu com o paladar. Sia, como deus funerário, é a divindade da primeira porta do Mundo Subterrâneo, o deus que ordena à guardiã que a abra para acolher o defunto ou a barca do dia de Ra. O nascimento de Sia e Hu dá-se de duas gotas de sangue de Ra quando foi circuncisado.
Sia Ralacionado com Ptah, como já vimos, encarna o coração do deus, e personifica as forças da inteligência, o entendimento, é a deificação do conceito de sabedoria e era invocado para proteger o coração, onde todas as acções se encontram gravadas. Sia aparece em pé na barca solar durante a sua viagem nocturna juntamente com Hu e Heka (deus das magia). Sia é representado com um papiro nas mãos ou o mesmo como atributo sobre a sua cabeça, encontrando-se-lhe também por vezes relações com a escrita.
Ptah é não só a base e substracto dos restantes deuses mas configura também uma magna tríade hipostática: Ptah-Atum, o pensamento; Ptah-Horus, o coração; Ptah-Thot, a palavra.
“Todos os deuses são três: Amon, Ra e Ptah. Nada pode comparar-se com a sua elevada realidade. O que por Amon se oculta, recebe o nome de Ra por sua face e de Ptah por seu corpo” (Papiro de Leiden)
Outras manifestações de Ptah, consideradas normalmente mais antigas, que no entanto não diferem tanto quanto isso das relações que posteriormente lhe são atribuídas, talvez utilizando sim imagens e funções revestidas de carácter simbólico da sua natureza criadora, referem Ptah como patrono dos artesãos, considerado o inventor das técnicas e práticas manuais. Ele era o oleiro divino que criou os homens e todas as coisas a partir da lama.
Sob o aspecto do touro Apis, seu heraldo, representa a fecundidade do solo e o poder germinativo. Apis levava o título de Filho de Ptah, sendo a sua mãe Isis, que engravida através de um raio de luz. Apis aparece como uma emanação do próprio deus Ptah. Segundo o Papiro de Harris (Império Novo) Apis é considerado o Ba (a Alma) de Ptah.
Entre os seus múltiplos epítetos, além dos já anteriormente citados, encontravam-se o de “Senhor da Magia”, “Senhor das Serpentes e dos Peixes”, “Senhor de Maat”, “Rei das duas terras”, “Deus da Face bonita”, “Luminário das duas terras com o fogo dos seus dois olhos”, “O grande deus que veio a ser no começo, ele que repousa sobre a escuridão”, “Senhor do Trono Escondido”, etc.
José Ramos
Bibliografia:
– Dioses y símbolos del antíguo Egipto, de Juan Garcia Font, Ediciones Fausi
– A colecção egípcia do Museu de História Natural da Universi-
dade do Porto: a estatueta de Ptah-Sokar-Osíris, de Rogério Ferreira de Sousa (Revista da Faculdade de Letras HISTÓRIA, Porto, III Série, vol. 8, 2007
– Diccionario de Mitologia Egipcia, de Elisa Castel, Ediciones Alderabán
– Diccionario Básico de la Arqueologia Egipcia, de M. Brodrick y A. A. Morton, Ediciones Obelisco
– The Gods of the Egyptians, de E. A. Wallis Budge, Dover Publications
– El Simbolismo de los colores, de Frédéric Portal, Ediciones Sophia Perenes