Rotas da Sabedoria Chinesa

Autor

Nova Acrópole

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Ao iniciar este texto, sobre as “Rotas da Sabedoria Chinesa”, quero fazer convosco uma pequeníssima viagem histórica sobre algumas curiosidades daquela que foi, sem dúvida, uma das maiores civilizações do mundo hoje conhecido. Se pensarmos que quando o imperador Shih Huang Ti (221-210 a.C.) iniciou aquela que viria a ser uma das Sete Maravilhas do Mundo, a Muralha da China, a história da China Antiga já se encaminhava para o seu final poderemos talvez imaginar o difícil, mas apaixonante que é, penetrar em mais de 2.000 anos de história que o antecederam.

As tradições chinesas fazem recuar as origens da sua história ao período de 2852-2205 a.C., onde governaram seis imperadores:

Shen-nung – inventor do arado e da agricultura, conhecido também como “o primeiro herbicista” pelas suas receitas fitoterápicas.

Huang Ti – conhecido como o Imperador Amarelo” é considerado o inventor do carro, do barco, do arco e da flecha, da criação do bicho-da-seda, da música e da escrita. E considerado o pai da segunda mais antiga obra sobre medicina, a Huang Ti Nei-Ching (“Doutrina do Interior”). Esta obra, sob a forma de diálogo entre o imperador Huang Ti e o ministro Ch’i Po fala sobre as funções do corpo humano, as suas enfermidades e curas.

Fu-Hsi – iniciador da caça e da pesca, considerado o autor da doutrina Yin-Yang, criador dos 9 tipos de agulhas de acupunctura.

Yao e Shun – fundadores da administração e do calendário.

Yu – dominou as inundações do Rio Amarelo.

Da dinastia Shang, também conhecida como dinastia Yin (1766-1122 a.C.), surgem-nos símbolos gravados sobre ossos e carapaças de tartaruga (jia gu wén), rudimentos da escrita ideográfica chinesa, que não eram muito diferentes dos actuais. Desta mesma época (há quase 4.000 anos) são os rudimentos da medicina preventiva na China com a “praxis de higiene e protecção sanitária” da qual faziam parte a necessidade de realização de limpezas gerais, para o qual haviam objectos próprios para limpeza do pó, vassouras, o cuidado em arranjar as paredes e tapar orifícios e a fumigação com ervas. Também já se usava um amplo sistema de esgotos. Havia hábitos de higiene diária como lavar a cara, embora parecendo-nos hoje um hábito banal, há que não esquecer que estamos a falar de há 4.000 anos. Nesses ossos gravados existem várias indicações sobre diversas doenças dos olhos, dentes, pescoço, nariz, aparelho digestivo, epidemias, etc. A fundição do bronze também já era realizada e desta época encontram-se talvez os mais extraordinários bronzes chineses, que demonstram uma habilidade artesanal e uma capacidade imaginativa imparáveis. Da dinastia Shang são também várias descobertas arqueológicas que comprovam já grandes conhecimentos de medicina, como a utilização de agulhas de pedra (bian shi) e osso (gu zhen) para a realização de acupunctura, assim como rudimentos de fitoterapia.

A dinastia Chou (1122-221 a.C.) dividiu em feudos as terras conquistadas, criando o estado dos “mil senhores feudais”. Dedicavam um elevado apreço pelos sacerdotes Shangs, já que todos os príncipes desejavam ter na sua corte “os informados”, surgindo assim uma classe de sábios que viria a ter uma profunda influência em toda a história da China. Os sábios da dinastia Chou haviam de legar à posteridade os mais importantes livros da Antiga China:

Shu-Ching, o livro da documentação.

I-Li, o livro das cerimónias.

Shih-Ching, o livro dos cânticos.

I-Ching, o livro das mutações.

Às noções de Tao, Yin e Yang, atribuídas a Fu-Hsi, agregou-se o conceito dos cinco elementos que conformam o homem e todo o mundo. São eles a Madeira, o Fogo, a Terra, o Metal e a Água, relacionando-se com os cinco pontos cardeais (quatro mais o centro), cinco planetas, cinco estações (as quatro mais um período de transição entre elas), cinco cores, cinco sons, cinco sabores, cinco emoções, cinco órgãos e cinco vísceras, etc.

Também neste período, há cerca de 3.000 anos, tinha-se a noção de água potável e não potável. Nesta dinastia, durante a “Época da Primavera e Outono” (770-481 a.C.) sabe-se que, na estação da primavera, havia um cuidado especial na limpeza dos esgotos como forma de eliminar a sujidade e o barro acumulados por meio de água fresca. Havia instruções, na obra Guanzi escrita por Guan Zhong (645 a.C), sobre os procedimentos para limpeza do fundo dos poços. É também neste período que se considera a elaboração da teoria dos meridianos de energia da Medicina Tradicional Chinesa.

Na época dos “Reinos Combatentes” (481-221 a.C.) dá-se o florescimento de centenas de escolas de pensamento, onde destacaria Laozi, mais conhecido por Lao Tzé e Kung Fu-tse, conhecido no ocidente por Confúcio (551-479 a.C.). O pensamento confucionista, que surge no seio dos conflitos entre os senhores feudais desencadeados desde o séc. VIII a.C., nasce como uma profunda filosofia moral que pretenderá restabelecer a harmonia por meio da virtude e do exemplo. Os soberanos deviam levar uma vida virtuosa para seu próprio bem e para o bem do seu povo, cujo comportamento exemplar seria a via para a educação dos seus súbditos. Este será um período onde a medicina chinesa conhecerá também um grande desenvolvimento, nomeadamente com a criação de especializações médicas: dentistas (shi yi), internistas (ji yi), traumáticos (yang yi), veterinários (shou yi), etc. No final do ano o trabalho de cada médico era avaliado e mediante a mesma era estabelecido o seu grau e salário. A este propósito diz um texto da época: “De acordo com a qualidade dos resultados obtidos, dez curas em dez doentes é o melhor resultado; nove em dez é o segundo lugar; oito em dez é o terceiro lugar; sete em dez é o quarto lugar; e seis em dez é um resultado pobre”. Também o médico que deixasse adoecer o seu paciente (já que tratava-se de uma medicina preventiva) era obrigado a tratá-lo gratuitamente até que ficasse curado.

Outras medidas de higiene da época só bastante curiosas: no Beì Jí Qian Jin Yaò Fang (“Disposições Preciosas Para os Casos de Urgência”) diz que “depois de uma refeição, é necessário gargarejar [bochechar] para conservar os dentes em bom estado e a boca fresca”; outra obra, o Lijì (Memórias do Ritos) dá alguns preceitos interessantes como “ao canto do galo levantem-se e arranjem-se” e “ao canto do galo, arrumem o vosso quarto”.

Num dos mais famosos tratados de medicina chinesa, “Tratado de Medicina Interna do Imperador Amarelo” encontramos noções como “o coração que controla os vasos sanguíneos no corpo”, a relação entre as emoções e todo o funcionamento do corpo, o conceito holístico da relação entre o Homem, o Céu, a Terra e toda a Natureza.

A Dinastia Ch’in (221 a.C.-206 a.C.) teve como soberano o imperador Shi Huang Ti, que pôs fim ao dilacerado reino Chou, substituindo os senhores feudais por funcionários administrativos, unificou a linguagem falada e escrita, assim como os pesos e medidas. Shi Huang Ti lutou para a manutenção das antigas vias comerciais com a Índia e a Ásia Menor e criou a Grande Muralha para defesa dos povos das estepes. Vai ser, no entanto, este imperador, que para além do desprezo pela doutrina confucionista da virtude, irá mandar destruir todos os livros tradicionais, poupando apenas os livros sobre a agricultura, medicina e arte de vaticinar. Após a sua morte (210 a.C.) regressaram novamente os grandes conflitos até o general Kao-tsu se tornar imperador em 2006 a.C., iniciando a dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), que foi acompanhada de várias revoltas camponesas devidas aos pesados impostos e excesso de luxo das cortes

Os imperadores passaram a estar nas mãos dos soldados que ambicionavam o prestígio e riqueza da então nascente burguesia. Em 221 d.C., com o fim da dinastia Han, termina também a Antiga China e começa um período de divisões que durará 580 anos. Este período Han foi a última grande época onde se realizaram imensas obras importantes, não pela sua criatividade, mas, pela recompilação de ensinamentos da época Shang e Chou, de entre as quais realçava Shih-chi (“Memoráveis factos históricos”) e Chao-Hai-Ching (“Livro das Montanhas e dos Mares”), contendo conhecimentos e lendas sobre as ciências da natureza e geografia. É durante a dinastia Hou Han (25-220 d.C.) do período Han que é tradicionalmente atribuída a penetração do Budismo na China (58-78 d.C.). É também durante este período que surge um desenvolvimento das fórmulas combinadas de fitoterapia da medicina chinesa com base na compilação de conhecimentos de Shen-nung Pen Tsao da época Chou. Com o médico-cirurgião Huà Tuó (141-208 d.C.) surge aquela que é considerada a primeira anestesia numa combinação de vinho e morfina (ma fei).

Penso que por agora é altura de terminar esta primeira rota pela sabedoria chinesa, na certeza porém, de deixar uma infinidade de curiosidades no meio desta viagem, mas o propósito não é proporcionar neste site viagens virtuais aos leitores, mas antes abrir vias para que cada um as possa percorrer e perder-se na magia de um mundo de encantos e surpresas

Fólángji

 

José Ramos

Investigador e Director da Nova Acrópole Coimbra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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